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Parede celular microbiana: o "código de barras" da interacção planta - patogéneo

As plantas, apesar de não possuírem um sistema imunitário móvel como o dos animais, desenvolveram mecanismos extremamente sofisticados para se defenderem dos microrganismos. Um aspecto central desta defesa é a sua capacidade de reconhecer componentes específicos na parede celular de fungos e bactérias. Estas moléculas, como a quitina e o peptidoglicano, não servem apenas como blocos de construção para as paredes celulares microbianas, mas também actuam como “códigos de barras” que as plantas podem “ler” para identificar se um microrganismo é um agente patogénico ou um simbionte inofensivo. Incrível, certo? Fique atento porque vamos contar para você.




# # # Mecanismos de defesa das plantas # # #

A primeira coisa que vamos fazer é falar um pouco sobre o que a planta reconhece e como. A planta não possui sistema imunitário como os animais, mas possui um grande número de sentinelas que vigiam qualquer coisa estranha que entre na planta. Quem são os sentinelas da planta:

  • Receptores: são proteínas ancoradas na parede das células vegetais responsáveis ​​por reconhecer fragmentos dos componentes da parede celular dos fungos, como o glucano e a quitina. Um dos recetores mais estudados é o CERK1 responsável pela deteção da quitina. Ao reconhecerem estes fragmentos, desencadeiam a resposta de defesa da planta.

  • Enzimas: Dentro das enzimas encontramos enzimas degradativas como as glucanases e as quitinases cuja função é cortar fragmentos da parede da planta para que sejam reconhecidos pelos receptores. Existe também um grupo de proteínas que atuam como um carro varredor, recolhendo pequenos pedaços de quitina e levando-os até aos recetores para ativar as defesas.



Esquema de reconhecimento da quitina fúngica na planta. 1: Quitina, 2: quitosano, 3: proteínas que apanham pedaços de quitina e os levam aos recetores, 4: recetores das plantas, 5: quitinases das plantas
1: Quitina, 2: quitosano, 3: proteínas que apanham pedaços de quitina e os levam aos recetores, 4: recetores das plantas, 5: quitinases das plantas



Uma vez ativados os mecanismos de defesa da planta, inicia-se uma cascata de sinais que faz com que no local de entrada do patogéneo se acumulem compostos que vão atuar como cimento, tentando impedir a entrada (como a calose e a lignina) e compostos tóxicos como) . E no caso extremo a apoptose, que é a morte programática das células que estão a ser atacadas e das células vizinhas e até de grandes regiões do tecido vegetal.



Imagem de microscopia confocal a laser de uma mancha calosa. A cauda é vista a amarelo (seta) nos locais de entrada do patogéneo (ponta de seta).
Imagem de fluorescência da acumulação calosa que aparece a amarelo (seta) nos locais de entrada do fungo (triângulo)



# # # Quitina em Cogumelos: Reconhecendo Amigos e Inimigos # # #

A quitina está presente em todos os fungos. É um polímero composto por unidades de N-acetilglucosamina e é um componente chave da parede celular do fungo. Para que as plantas identifiquem a presença de um fungo, devem ser capazes de detetar fragmentos de quitina que são libertados quando o fungo tenta invadir os tecidos vegetais.


Mas nem todos os fragmentos de quitina são iguais. A desacetilação é um processo pelo qual os grupos acetil (grupo derivado do ácido acético) são removidos da quitina, convertendo-a em quitosano, uma molécula muito menos visível para as defesas das plantas. Este processo tem um efeito direto na forma como a planta perceciona um fungo.


Remoção do grupo acetil da quitina pela enzima quitina desacetilase, convertendo-o em quitosano
Modificação da quitina em quitosano pela enzima quitina desacetilase

  1. Elevado teor de quitosano e simbiose: Os fungos que formam relações simbióticas com as plantas, como as micorrizas, apresentam frequentemente quitina altamente desacetilada, ou seja, apresentam um elevado teor de quitosano. A quitosana é menos detetável pelos recetores de quitina nas plantas, permitindo que o fungo coexista com a planta sem desencadear uma forte resposta imunitária. Neste contexto, a desacetilação da quitina atua como um “código de barras” que sinaliza à planta que o fungo é inofensivo e benéfico.


  2. Baixo teor de quitosano e patogenicidade: Por outro lado, os fungos patogénicos apresentam habitualmente quitina com menor grau de desacetilação, ou seja, menor quantidade de quitosano, pelo que esta quitina é mais facilmente reconhecida pelos recetores vegetais, o que leva à ativação de uma resposta imunitária defensiva. A planta “lê” esta quantidade de quitosano como um sinal de perigo e responde em conformidade para tentar impedir a invasão fúngica.




A questão é: se a parede de todos os fungos contém quitina, porque é que a planta não se defende dos agentes simbióticos? Aqui entra em jogo o padrão quitina-quitosana.





# # # O padrão quitina-quitosana: um código de barras molecular # # #

Não só a quantidade de quitosano é crucial, mas também o padrão quitina-quitosano. Este padrão, que se refere à disposição específica da quitosana ao longo da cadeia da quitina, atua como um “código de barras” altamente específico que as plantas conseguem “ler”. Dependendo deste padrão, a planta pode diferenciar entre um fungo patogénico e um fungo simbiótico inofensivo.

 

  • Padrões Complexos e Simbiontes: Os fungos simbióticos tendem a ter padrões de quitosana mais complexos e distribuídos de uma forma que dificulta a sua deteção pelos recetores das plantas. Este padrão complexo envia um sinal de que o fungo é inofensivo ou mesmo benéfico, permitindo uma relação simbiótica bem-sucedida.

 

  • Padrões Simples e Patogénicos: Em contraste, os fungos patogénicos apresentam normalmente padrões de quitosana mais simples e previsíveis, facilitando a deteção pelos recetores imunitários das plantas. Isto desencadeia uma resposta imunitária que visa eliminar a ameaça. 

 



# # # Os agentes patogénicos enganam a planta Como? # # #

Tal como as plantas reconhecem um padrão na quitina – quitosana para identificar possíveis agentes patogénicos, os agentes patogénicos aprenderam com isso e disfarçam-se de bons. Sim, leu bem, eles disfarçam-se de bons. Os agentes patogénicos desenvolveram estratégias para ocultar ou modificar a quitina da sua parede, e a sua sobrevivência depende de o fazerem bem.

Um exemplo encontra-se em vários artigos científicos onde se verificou o papel que a modificação da quitina em quitosano tem no desenvolvimento de infeções em determinados agentes patogénicos. É o caso do oídio, um grupo de fungos que vivem apenas nos tecidos vivos das plantas e cuja sobrevivência depende da capacidade de se esconderem das defesas da planta. Em trabalhos recentes, a capacidade do fungo converter a quitina em quitosano foi bloqueada. E SURPRESA! O resultado é incrível, a planta passa de não detetar o patogéneo para o detetar, ativando as suas defesas e parando completamente a infeção. Apenas o padrão quitina-quitosana foi alterado e, desta forma, o disfarce do patogéneo foi removido.



Coloração para espécies reativas de oxigénio. a, a imagem mostra o crescimento normal de um fungo numa planta (setas brancas e pontos pretos). b, Os quadrados vermelhos marcam áreas de tentativa de infeção num fungo com quitina desacetilase silenciada.
a, Infeção fúngica normal (setas brancas). b, a infecção é interrompida pela planta (quadrados vermelhos) nos fungos que bloquearam a desacetilação da quitina



Se estiver interessado em saber mais sobre como os agentes patogénicos se escondem das defesas das plantas, aqui está este artigo do nosso blog onde lhe contamos as diferentes estratégias que os agentes patogénicos utilizam. Blog: O Cavalo de Tróia Microbiano


# # # Como desbloquear um telemóvel # # #

O conceito de como as plantas “lêem” estes padrões de desacetilação pode ser comparado ao desbloqueio de um telemóvel através de uma impressão digital. Se o telemóvel não reconhecer a impressão digital, será bloqueado, assumindo que um possível intruso está a tentar obter acesso. No entanto, ao detetar a sua impressão digital, permite a entrada sem problemas. Da mesma forma, se uma planta detectar um padrão quitina-quitosano que não reconhece (como um padrão simples num fungo patogénico), activa as suas defesas para bloquear o intruso. Por outro lado, se reconhecer um padrão conhecido e benigno (como o padrão complexo de um simbionte), permite a interação sem ativar as suas defesas.




# # # Peptidoglicano nas bactérias: um mecanismo semelhante # # #

O peptidoglicano é um componente fundamental da parede celular das bactérias, especialmente nas bactérias gram-positivas. É composto por cadeias de aminoácidos e peptídeos que conferem rigidez e protegem a célula bacteriana. Semelhante à quitina nos fungos, o peptidoglicano também pode ser modificado quimicamente, e estas modificações têm um impacto direto na forma como a planta perceciona a bactéria.

 

  • Modificações no Peptidoglicano: As bactérias podem alterar o peptidoglicano através de processos como a desacetilação e a metilação, que alteram a estrutura química da molécula. Estas modificações podem tornar o peptidoglicano menos visível para os recetores imunitários da planta, permitindo que as bactérias evitem uma forte resposta imunitária.

 

  • Reconhecimento e resposta imunitária: Quando o peptidoglicano não é modificado ou é menos modificado, é mais provável que seja reconhecido pelos recetores das plantas, ativando uma resposta imunitária defensiva. Em contraste, as modificações que mascaram o peptidoglicano podem induzir a planta a não detetar a bactéria como uma ameaça, facilitando a infeção ou permitindo a coexistência pacífica.




# # # O "código de barras" molecular: uma estratégia evolutiva # # #

O conceito de “código de barras” molecular é uma metáfora útil para descrever a forma como as plantas distinguem entre microrganismos patogénicos e simbióticos. O padrão de desacetilação na quitina dos fungos e as modificações no peptidoglicano das bactérias são estratégias evolutivas que estes microrganismos desenvolveram para interagir com as suas plantas hospedeiras.

 

  • Evolução das modificações: Tanto os fungos como as bactérias evoluíram para modificar as suas paredes celulares de formas que influenciam a forma como são percebidas pelas plantas. Os fungos simbióticos, por exemplo, desenvolveram níveis elevados de desacetilação na sua quitina como forma de evitar a deteção como agentes patogénicos. Da mesma forma, as bactérias simbióticas podem modificar o seu peptidoglicano para evitar a deteção ou minimizar a resposta imunitária da planta.

 

  • Diversidade de respostas nas plantas: As plantas, por sua vez, desenvolveram uma vasta gama de recetores que podem detetar diferentes padrões moleculares nos microrganismos. Isto permite-lhes ajustar a sua resposta imunitária consoante o tipo de microrganismo que encontram, seja ativando fortes defesas contra agentes patogénicos ou promovendo a tolerância e simbiose com microrganismos benéficos.

 

 

 

# # # Implicações para a Agricultura e Biotecnologia # # #

Compreender como as plantas “lêem” estes códigos moleculares tem enormes implicações para a agricultura. Se a biotecnologia puder manipular estes mecanismos, poderão ser desenvolvidas culturas mais resistentes às doenças ou que beneficiem mais das relações simbióticas com microrganismos.

 

  1. Culturas resistentes a doenças: Ao selecionar ou modificar geneticamente plantas que possam reconhecer de forma mais eficiente os padrões de desacetilação da quitina e as modificações do peptidoglicano, poderíamos desenvolver culturas mais resistentes a infeções por fungos e bactérias patogénicas.


  2. Aproveitar Simbiontes Benéficos: Por outro lado, ao promover a interação com fungos e bactérias que possuem “códigos de barras” benéficos, poderíamos melhorar a absorção de nutrientes e a saúde geral das plantas, reduzindo a necessidade de fertilizantes e outros insumos químicos.

 

 

O estudo da forma como as plantas reconhecem e respondem às modificações na quitina e no peptidoglicano dos microrganismos e, em última análise, na parede celular, oferece-nos uma janela fascinante para a complexa interação entre plantas e microrganismos. Estes “códigos de barras” moleculares são fundamentais para a sobrevivência das plantas e a sua compreensão poderá revolucionar a agricultura, permitindo-nos cultivar plantas mais resistentes e eficientes e desenvolver tratamentos mais específicos e ecológicos.




Deixamos estes artigos de blog caso esteja mais curioso sobre este assunto


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